Quem se lembra no princípio deste século (2003), de um
patinho feio chamado Ducati Multistrada 1000, com um motor refrigerado a ar e uns
magros 84 cv?
Eram tempos de glória das desportivas, com as
brilhantes 916, 996, 998 e mais tarde mais um patinho feio, a 999, que
dominavam com mão de ferro o mundial de superbikes. Eram a base de vendas da
Ducati, e por isso a Multistrada não tinha demasiada importância para a marca.
Com o tempo as pessoas tornaram-se mais racionais e os
gostos foram mudando. As desportivas passaram para segundo plano nas vendas
globais e o segmento trail disparou. Por isso a Ducati decidiu lançar em 2010
uma nova versão trail, mantendo a designação Multistrada.
Mas desta vez não se ficaram por um mero exercício de
estilo. Quiseram romper o mercado com um novo conceito, cheio de detalhes, um
novo motor, e muita, muita tecnologia.
Assim o planearam e assim o conseguiram. Sendo uma
moto inovadora, quase rompedora, a aceitação foi imediata, ou seja, um sucesso.
Em 2015, renovaram a moto, ainda mais detalhada e
atraente, e é neste ponto que eu tive a oportunidade de testar esta belíssima
máquina, na ocasião em que fiz uma passeio organizado pela Ducati Norte.
A Multistrada é uma moto globalmente atraente. O seu
“bico de pato”, com duas entradas de ar é imponente e faz um bom conjunto com
os faróis e a cúpula. Os piscas integrados nos reflectores de ar dos punhos é
outro detalhe que lhe fica bem. As malas que se integram sem qualquer armação
adicional (foram pioneiros neste segmento) e o basculante mono braço, são
pormenores que tornam esta moto especial.
Por fim temos o motor e o quadro em treliça. Os dois gigantes
cilindros em V longitudinal com comando desmodrómico e agora também DVT
(sincronização variável das válvulas), são imagem da marca, tal como o seu
diminuto quadro em tubos de aço.
Não vou enumerar todos os detalhes tecnológicos, mas a
MTS é uma autêntica montra do melhor que se faz em motos. As suspensões Sachs semi-activas,
reguláveis electronicamente que se adaptam a todo o tipo de piso, os sistemas
de segurança e auxilio na condução, como é o sofisticado controlo de tracção, o
ABS com assistente de controlo em curva, o controlo automático da velocidade, assistente
de arranque nas subidas, etc., etc.
Esta moto já a tinha mais que vista. Em 2010, na
altura em que saiu no mercado, foi uma das minhas hipóteses de compra. Era a
minha hipótese mais apaixonada. Como acabava de sair e era um produto
completamente novo, não quis arriscar. Agora em 2015, volta a ser hipótese de
compra.
Conforme já tinha dito, já estava mais que vista e
estudada e por isso só faltava experimentar. O Paulo Mesquita, o simpático
técnico de vendas da Ducati Norte, permitiu que no passeio aos Picos da Europa,
conduzisse essa bela máquina durante umas dezenas de quilómetros.
O assento, algo acanhado |
Sentado na moto, ressalta o quadro de bordo, um
autêntico mini-computador a “tutti colore”. No mundo dos tablets e dos
smartphones não é nada de especial, mas no das motos é quase exclusivo e
inovador. Para encontrar algo parecido em outras marcas de produção em série,
teremos que ir à MV Agusta e à BMW. Comandado nuns botões do punho esquerdo, é
um regalo para a vista e melhor que isso é extremamente funcional e intuitivo.
A moto é extremamente compacta. Isso nota-se visto de
fora e ainda mais estando sentado. O assento não dá grande espaço longitudinal
para variar a posição de condução como eu gosto, mas a posição que nos oferece
é agradável e confortável, suficiente para fazer muitos quilómetros.
O bico de pato e os faróis, totalmente em led |
Depois do Paulo me explicar em 1 minuto como se podiam
alterar os modos de potência/suspensões do motor (não entendi quase nada),
arranquei no modo Touring. Há que realçar que excepto para abrir e fechar
malas, todo o resto é do tipo “mãos livres”, sem chave, inclusivé para abrir a tampa do depósito de
combustível.
Motor em acção, arrancar e….buf! Que moto! Acelera
como um diabo e nas curvas a sensação de segurança é extrema, com aqueles pneus
de 190 mm atrás, dão a sensação que temos não duas, mas quatro rodas coladas ao
chão.
Um pouco de ficção: Hércules orgulhoso, com a sua Multistrada! |
Aqui o limite não é a moto, és tu! És tu quem deves
saber quais são os teu limites, os limites da estrada e de tudo que intervém na tua condução, pois de resto a
moto não te põe quaisquer objecções. A MTS consegue de uma forma brilhante unir
conforto e potência aos molhos!
Entrando um pouco dentro da ficção, se os deuses
mitológicos andassem de moto, de certeza que elegeriam uma Ducati e,
aprofundando um pouco mais este devaneio diria que Hércules quereria a Multistrada!
Depois de várias excitantes dezenas de quilómetros
numa estrada sinuosa algures nos Picos da Europa, quis experimentar outros
modos de condução. Pese à tão abreviada explicação, o menu é tão intuitivo que
consegui alterar por mim mesmo. Sabendo que tinha que fechar o acelerador para
se efectivar a alteração, experimentei pressionar o botão durante 3 segundos e
“voilá”, de repente fiquei no modo Sport, com as suspensões mais duras, o motor
mais nervoso, controlo de tracção menos intrusivo, etc, etc. e a verdade é que
se notam efectivamente diferenças para o modo Touring.
Atractivo pormenor, o escape e o mono braço |
Também experimentei o modo Urban, onde tudo é mais
suave , motor e suspensões. Fantástico!
E quanto a travagem, que posso dizer em relação a uns
Brembo de primeira escolha? Que travam na perfeição! Sem serem bruscos, tens a
possibilidade de poderes enterrar-te no alcatrão, ou fazer uma égua, isto
figurativamente falando, claro.
Em relação à caixa de velocidades, é muito suave e
precisa… até que notei, mais que uma vez, uma falha na passagem da quarta para
a quinta, ficando em ponto morto. Na versão anterior também já tinha notado
isso. Os que têm Ducatis, já me explicaram que aquilo não é defeito, é feitio!
Há que pressionar com decisão a alavanca e a partir daí deixa de falhar.
A regulação do vidro, que pode ser feito com apenas uma mão |
Também apreciei a protecção da cúpula. Regulável em
altura manualmente, permite inclusivamente fazê-lo em andamento com uma das
mãos. Para a minha estatura, 1,74m, resulta perfeito. Na posição mais baixa, o
vento vai para o peito, sem fazer ruídos parasitas no capacete. Na posição mais
alta, ou até um bocadinho mais abaixo, o vento passa completamente por cima do
capacete. A única parte que se mantém sempre desprotegidos, são os ombros.
O menu para alteração dos modos de condução |
No grupo havia varias MTS, alguns deles levava pendura
e reparei que a altura ao solo não é o forte desta moto. Aliás eu diria que é
um ponto fraco, uma vez que presume ter também aptidões todo-terreno, com umas
suspensões com 150 mm de percurso.
Desci da moto e não me apetecia devolvê-la. Estava
simplesmente inebriado. Este é provavelmente o estado em que muitos ficam
depois da experimentar, perdendo as defesas e não olhando nem a meios nem
possibilidades para a comprar.
O menu para alteração do tarado das suspensões |
Mas eu não sou assim. Depois daquela intensa
experiência, passei ao estado de reflexão.
Ok, a moto é do melhor, que não deixa ninguém
indiferente. Mas ao entrar nos números fiquei com os ânimos esfriados, e
porquê? Porque custa 21.000€ (!) e se quero as malas laterais, ainda tenho que
pagar mais cerca de 1.000€!
É aí que dá que pensar, pelo menos àqueles que não
lhes sobra o dinheiro (e reflexionam). É necessária tanta potência numa moto?
De toda a tecnologia que tem, vou tirar proveito útil dela?
É bem verdade que as motos são objectos de paixão e por
isso não devemos pensar demasiado… ou não?