A elegante Honda VFR1200X Crosstourer cor preta |
A Crosstourer é uma trail elegante (crossover,
dizem os da Honda) que, apesar dos seus cerca de 280 Kg em ordem de marcha,
transmite ao olhar uma sensação de leveza. Pela primeira vez nestes últimos
dois anos, foi esta atraente moto que me fez levantar a hipótese de trocar pela
minha RT. As expectativas eram elevadas, e mal tive a oportunidade, fiz-me à
estrada e fui à MotoTrofa fazer um pequeno teste no modelo com velocidades
manuais.
Equipamento
Vista lateral direita |
Mal me sentei na Crosstourer, em poucos
minutos de observação desabou sobre mim a desilusão. O aspecto geral dos comandos
e painel de instrumentos é bom, mas é quase igual ao da NC700X que custa
exactamente metade do preço (!) e por isso esperava melhor, ou pelo menos
diferente.
Painel
de instrumentos
O painel de instrumentos, foi o que menos brilhou nesta moto |
O painel de instrumentos tem a mais que a
NC700X um computador de bordo (consumo instantâneo, médio, etc) cujo comando é
junto ao mostrador (a Suzuki VStrom650 tem o botão junto à embraiagem e custa
menos 5.000€). Nele também se pode ver a velocidade engrenada, mas esta tem um pequeno
despiste – em vez de indicar o ponto morto (N-neutral)) no mesmo local onde
aparece o número da velocidade, mostra mais acima com uma luzinha verde. Por
baixo do painel vê-se um grande buraco que deixa à mostra a parte de trás do
farol, coisa que nem na NC700X isso acontece.
Um painel pequeno, mas com muita informação |
Também não entendo porque é que, ao rodar
a chave da ignição para a ligar, o farol dos médios acende de imediato em vez
de esperar que a motor arranque, evitando gastos de bateria desnecessários.
Conheço motos em que isso não acontece…
Um grande botão para um bom buzinão |
A Honda continua com a sua inexplicável
insistência de colocar a buzina no lugar dos piscas e lá andava eu alegremente a
buzinar nas mudanças de direcção e nas ultrapassagens e a pedir desculpa
verbalmente à parte de dentro do meu capacete.
Depósito
de gasolina
O depósito é metálico |
Ao meter gasolina (a marca recomenda 95
octanas) constatei que o depósito (ainda) é metálico e segundo dizem leva 21,5
litros. Não é que tenha medo de que enferruje a curto de prazo, mas os de
plástico de certeza que não tem nem nuca terão esse problema! A tampa do
depósito não precisa de rodar a chave para o fechar; tem um trinque e por isso
basta empurrá-la, mas por outro lado também não deixa retirar a chave enquanto
está aberta!
A tampa tem trinco, mas não deixa sair a chave! |
Todas estas observações provavelmente
devem-se a estar mal habituado com a minha RT, mas não posso deixar de ser
exigente pois estamos a falar de uma trail topo de gama, que com os acessórios
(que também são polémicos quanto ao preço) pode ultrapassar facilmente os
17.000€!
Tranca
da direcção e manetes
Continuando com os pormenores, a tranca
da direcção só fecha numa posição, quando virada para o lado do descanso
lateral. O quê? Trancar só para um lado chega bem? Pois eu acho que não; para
um objecto com este peso, existem alturas em que dá jeito acomodar a moto de
acordo com o piso onde vai ficar a repousar e o facto de poder jogar com a
direcção para os dois lados faz a diferença de a andar a empurrar à mão ou não,
para a recolocar em local mais adequado.
As manetes da embraiagem e do travão são
reguláveis, mas para os meus diminutos dedos, mesmo na posição mais curta tinha
que rodar a mão para poder manobrá-las. Será que cresceram muito as mãos aos
japoneses?
Com a moto parada faz-se notar o seu
grande peso, sendo necessário algum esforço para a tirar do descanso ou para
fazer algum pequeno movimento. De forma alguma convida a fazer manobras rápidas
sem a necessária precaução, pois sente-se que a partir de um determinado ângulo
de inclinação, já ninguém pode com ela.
Pousa-pés
e porta-bagagens
Pousa-pés do passageiro |
Acho as linhas gerais da moto muito
bonitas. Excluindo aquilo que já disse sobre o painel de instrumentos e área
circundante, todo o resto da carroçaria está plena de materiais de boa
qualidade. Curiosamente o pousa-pés de borracha do condutor é igualzinho ao de
uma NTV 650 de 93 que tenho em casa. O pousa pés do passageiro, em alumínio, tem
já uma determinada forma que permite encaixar as malas laterais e o portas
bagagens também tem boa pinta, onde também inclui lateralmente um par de
encaixes de cada lado para as ditas malas.
Assento
e escape
Espaço por baixo do assento |
O assento é só de uma peça e o lugar do
condutor é acentuadamente cavado, provavelmente para diminuir a altura ao solo;
apesar disso pareceu-me oferecer uma comodidade correcta. Por baixo dele tem-se
fácil acesso à bateria e à caixa de fusíveis. Existe ainda um pequeno
compartimento para coisas diversas, como possa ser um cadeado e ainda tem um
encaixe para a bolsa de ferramentas que vem com a moto.
O escape está bem acabado em aço inox,
que termina em duas saídas, estando muito bem integrado no conjunto da moto.
As
rodas
Roda dianteira |
Convém destacar aquilo que é belo. Com uns
aros pretos e todas raiadas, encaixam de maravilha naquela máquina, em especial
a detrás que está presa no basculante monobraço e veio de transmissão, que é
outra bela peça de arte. As medidas são tipicamente trail: 19’’ à frente e 17’’
atrás.
O
preço
O preço de 14.000€, até nem é muito caro (custa
menos 500€ que a Super Ténéré, mas não tem o modo de níveis de potência), tendo
em conta que tem um quadro em alumínio perimetral, controlo de tracção
desconectável, ABS combinado, veio de transmissão, um conjunto de rodas
tubeless com raios e um motor com uma das configurações mais caras do mercado:
4 cilindros em V… Em França o preço é o mesmo, mas em Espanha custa mais
1.600€!
A bela roda e o terminal do escape com duas saídas |
Onde não pouparam o cliente foi nos
acessórios: sendo as malas compradas individualmente, as laterais custam 1370€
e o top case 726€, tendo disponível um “pack” com as três, por 1836€. O
pára-brisas mais alto custa 160€, os punhos aquecidos, cerca de 300€ e o
descanso central, 215€. Tudo somado, 2511€, mas se calhar também dava jeito um
alarme (cerca de 280€), e os tubos decorativos/ protecção e os faróis de
nevoeiro (930€). Ufff!
Malas
laterais e top-case
A Crosstourer com todos os extras, incluindo top-case e malas laterais |
Menção especial para estes acessórios
caros, mas indispensáveis para quem viaja. Sim, são malas caras, mas encaixam na
perfeição, sem ser necessários quaisquer suportes inestéticos. Não as vi neste
teste, mas vi-as exteriormente no salão de Milão. São de alumínio, mas tão fino
que me pareceram demasiado frágeis. Imagino o que será se caiem ao chão ao
roçam em qualquer coisa. É que nem se podem pintar ou reparar! Preferia que
fossem mais à moda do alumínio robusto das GS ou da Touratech. Ao preço que são
e pelo frágil que parecem, penso que deve ser bem ponderado se vale a pena. De
qualquer forma vai ser sempre complicada decidir, pois a alternativa será
sempre colocar aqueles horríveis ferros para suporte. Eles (a Honda) sabem bem
disso.
Dinâmica
Chegada a hora de ver as qualidades
dinâmicas, o arranque do motor é quase instantâneo. Um segundito de motor de
arranque e é vê-lo a ronronar com a sonoridade muito própria de um V4. A
primeira e segunda velocidade fazem um “clanc” quando engrenadas em parado, mas
em andamento são de todo uma suavidade.
Em cidade a moto sente-se algo pesada e à
medida que se acelera, parece que o peso se vai evaporando. Chegado à zona de
curvas, surpresa, a moto deita-se com uma facilidade incrível e o motor, esse
sim é o grande protagonista de todo o conjunto. Com os seus limitados 129 cv às
7.750 rpm (a versão da VFR1200F tem 170cv às 10.000 rpm!) e um binário poderoso
de 12,8 Kgm às 6500 rpm, a moto é extremamente elástica, permitindo acelerar em
6ª velocidade, em plano, a partir praticamente das 1500 rpm. O motor emite um
barulho como se fosse protestar, mas em décimas de segundo atinge as 2000 rpm e
daí em diante impulsiona-nos com uma pujança digna de uma desportiva. Quero dar
uma nota negativa ao conta-rotações. Quando digo atrás 1500 rpm, quero dizer
mais ou menos, pois a escala é tão pequena que mal dá para ver. O estilo
compacto é muito bonito, mas nem por demais. Neste caso um conta-rotações de
formato analógico/esférico seria bem melhor.
Veio
de transmissão
O motor e veio de transmissão |
Dentro do pouco que andei, o veio de
transmissão que segundo parece é isento de manutenção, nem o senti, o que é um bom
indicador, pois é sinal que não tem reacções estranhas ou parasitas. Porém esta
informação não deve ser considerada fidedigna, pois não fiz suficientes
quilómetros, acelerações e reduções bruscas que me permitam afiançar este dado.
Suspensões
O curso das suspensões, são um mistério.
A marca não diz nada e as revistas pouco ou nada adiantam. Penso que é por
lapso. Só consegui ver num teste francês que a da frente tem 165mm.
A suspensão da frente e o radiador de forma curva |
É o normal para uma trail de vocação
estradista (a Super Ténéré tem 190mm e a Multistrada 170mm) . Isto só para
dizer que esta moto é óptima para desenrascar na cidade a subir passeios,
pequenos trajectos em estradões, mas se formos além disso arriscamo-nos a, no
mínimo, deixar marcas na carenagem. A suspensão de trás é segundo a
nomenclatura da Honda, dotada do sistema pró-link, o que quer dizer que tem
bieletas, que a tornam mais progressiva (teoricamente). Curiosamente numa
aceleração que fiz em piso irregular ela até saltitou bastante, ou seja até foi
pouco progressiva, mas isto não deve ser visto como referência, pois para além
de não ter andado o suficiente, elas são multi-reguláveis, e pode até ter
havido uma “estrela iluminada” que tenha mexido nelas, como aconteceu uma vez
que fui testar a Ducati Multistrada: ao ter sentido as suspensões algo mais
duras do que seria normal (são reguladas electronicamente), perguntei ao asno
do vendedor e ele confessou-me que tinha alterado tudo para por ao gosto dele!
Sobre este tema cabe ainda realçar que a suspensão detrás tem um prático
manipulo para regular a compressão da mola, quando se leva passageiro e/ou
bagagem.
A
dupla embraiagem
A Honda tem neste momento em curso uma
grande aposta que quer generalizar em muitos dos seus modelos: a dupla
embraiagem. Nos carros está a vingar e nas motos a Honda é pioneira. É sem
dúvida a forma automática mais eficiente e mais desportiva ao mesmo tempo,
conseguindo melhores consumos do que o modelo manual. Este sistema já está
implementado na VFR1200F, NC700X, NC700 Integra, NV700S e na moto em análise.
Infelizmente ainda não está disponível para o público, mas a Honda fez questão
na sua apresentação à imprensa de por todos o s jornalistas a andar numa.
Protecção
aerodinâmica
O pára-brisas opcional |
A moto que experimentei já tinha o
pára-brisas alto (opção) e estava colocado na sua posição mais elevada, de duas
possíveis. Mesmo assim senti no topo do capacete alguma interferência do vento.
Nada que ver com a protecção que oferece a VStrom650. Os braços também estavam
expostos ao vento, mas isso já considero normal para este tipo de moto.
Consumos
No trajecto que fiz, algo de cidade,
estrada nacional, e a passagem nalgumas localidades, o computador de bordo registou
no final uma média de 6,8l/100Km, o que me pareceu bastante ajustado à condução
que fiz e tendo em conta o motor e potência que a moto tem. Porém nos testes
dos jornalistas (em motos com dupla embraiagem), afiançam uma média de 5,0l/100
a andar bem e outra 5,4l/100 em velocidades legais. Talvez seja a dupla
embraiagem que faz a diferença, mas estou convicto que este modelo nem em ponto
morto faz menos de 5 litros. tenho a convicção que a sua média justa a
velocidades legais, nunca será menos de 6,0 litros.
Conclusão
A Crosstourer é uma trail elegante e
sedutora, que esconde o seu peso por baixo de umas linhas fluídas e ligeiras,
nem fazendo desconfiar que alberga um possante motor V4 de 1200cc.
Para quê 129cv, se depois temos uns
estreitos e duros pneus trail de 150mm
para transmitir essa potência ao chão? O princípio é: quanta mais potência,
mais largos e macios devem ser os pneus, senão torna-se um contra-senso. Acho
muito mais correto aquilo que fez a Ducati com a sua Multistrada, ao colocar
rodas com medidas de estrada (17’’) e vários níveis de potência à disposição.
Proporcional à elevada potência desta moto, está o seu peso, que penaliza de
sobremaneira as manobras em parado/ baixa velocidade e a sua dualidade
campestre.
Quando conduzimos não vemos o aspecto
exterior da moto; vemos sim o quadro de instrumentos e tudo o que está ao seu
redor. Foi exactamente nessa parte que a Honda “cortou as unhas rentes”, ao
universalizar diversos componentes numa tentativa de controlo de custos, só que
quem paga mais também deve querer melhor, certo?
Por tudo isto posso dizer que a Honda
Crosstourer encantou, mas não me convenceu. Acho que vou esperar pela futura
Pan European.